sábado, 6 de dezembro de 2014

Elena: Seu reflexo

Éramos três.
Éramos mais.
Éramos todas, mas éramos tortas.
Éramos, sem mais nem menos.
Por isso, quando me batem à porta perguntando se atravessamos eras, conto da janela, de como ela não tem trancas e é desnuda de formalidades. Também conto do pão de queijo e do café preto. Aproveito, puxo uma cadeira, pego o jornal e conto dos escândalos do metrô e da Petrobrás, dos filmes em cartaz... mas você já não pode ouvir... não conseguiu ver nada disso e, embora as fantasias façam crer que você e o seu misto de esplendor e simplicidade pudessem prever isso tudo, ou quem sabe criar coisa muito melhor, não existe agora. Não tem instante. Isso dói.
Mas éramos três. Não a deixaríamos na estante: eis o veredicto.
O asfalto queimava os pés que dançavam, as luzes ardiam os olhos, que então fechavam, mas as mãos continuavam tateando, procuravam o contorno do seu rosto. Os lábios ainda queriam o seu gosto, o suor das bochechas de dias cansados e os diálogos...
Não sou pedra.
E o coração? Pesava 300 gramas e carregou o mundo inteiro. Me pôs nos ombros, me deu carinho... depois me pediu pra descer e ir brincar. Disse que depois me veria em vários outros sonhos.
Acontece que éramos três e havia a promessa de nunca mais olhar no espelho. Assim, os contornos e traços antigos foram retorcidos, distorcidos e remoldados. Nos deram rugas e olhos fundos "como os de passarinho", alguém mais tarde diria, e nós nos encarregamos de nos afogar. Em cachaça e águas límpidas. Em palcos, arenas, livros e poesia.
Os pés, ainda assim, dançavam.
Te amo, Elena. Sinto saudade todo dia.
Com amor, como sempre...

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